sábado, 11 de dezembro de 2010

ARTE DIGITAL DE MANUEL GAMBOA



Primeiros trabalhos em computador de Manuel Gamboa, que começou a mexer nas tecnologias informáticas no princípio de Novembro de 2010.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Contacto do Pintor Manuel Gamboa

Deixamos aqui o novo contacto do Pintor Manuel Gamboa:

gamboas@hotmail.com

sábado, 7 de março de 2009

A Bruxa Rosa - Poema de Manuel Gamboa



O pintor Manuel Gamboa declamando o seu poema A Bruxa Rosa, durante a inauguração da Exposição Iluminações Descontínuas, que decorreu no Convento de S. José de 17 de Janeiro a 28 de Fevereiro.

Manuel Gamboa na Exposição "Iluminações Descontínuas"


ILUMINAÇÕES DESCONTÍNUAS / EXPOSIÇÃO INTERNACIONAL DE SURREALISMO ACTUAL / O poeta João Rasteiro explica ao vereador do Pelouro da Cultura, José Cabrita, a obra de Manuel Gamboa; este também se interessa pelos sentidos da sua pintura.
Convento de S. José, Lagoa, 17-01-2009




Durante a cerimónia oficial de inauguração.
Convento de S. José, Lagoa, 17-01-2009



New York - Óleo sobre tela, 90 x 1,46
Trabalho de Manuel Gamboa patente na exposição, que decorreu de 17 de Janeiro a 28 de Fevereiro

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

MANUEL GAMBOA EM IMAGENS

domingo, 17 de fevereiro de 2008

A OSGA JOAQUINA...




Um crítico que nunca viu uma osga na parede não entende a actual pintura de Manuel Gamboa...

Gamboa confessava-me há dias que uma tela em branco em cima do cavalete mete-lhe medo: precisa encher imediatamente a paleta de cores e então uma força demiurga agarra-lhe nos pincéis e todo o Universo entra-lhe de rajada pelo atelier adentro, para dissipar o tenebroso nevoeiro branco da tela! A sua pintura vai surgindo, quase onírica, numa serena alegria de cores e formas, onde o figurativo e o abstracto se equilibram, num expressionismo panteísta. Uma lagarta, o canto do galo, uma folha, uma memória longínqua, um triste arlequim colorido, uma página em árabe de um velho livro de visitas, o céu azul riscado por um pássaro branco, o véu da noite rasgado de estrelas, uma nesga de mar ao fundo, os ecos de uma paixão, de muitas paixões, os seios generosos da serra ao longe, a negra Joaquina à noite na parede do atelier a caçar insectos, os sinais eternos, os olhos sempre de frente, mesmo em rostos de perfil, a afastar maus-olhados e a espelhar as almas...Tudo isto se harmoniza, num todo muito estranho para a razão, mas muito coerente para a intuição.

Se o Gamboa como homem é ateu, como artista é um místico.

O processo criativo do Gamboa tem um forte carácter mediúnico. O seu génio (como qualquer génio) não cria nada de novo: ele é um canal que nos revela as dimensões invisíveis da natureza. Na verdade, nada é abstracto na sua pintura. Ele agarra-nos a sensibilidade para um mergulho no fundo desses mares desconhecidos que há em tudo, no céu e na terra, principalmente nas coisas mais simples, e mostra-nos a beleza, o pulsar da vida nesses “imensos corais ocultos”, onde existem bem reais e concretos todos os arquétipos, todas as imagens que inspiram os mais sublimes artistas, mesmo aqueles considerados os mais abstractos dos abstractos.

O Gamboa também sabe que os verdadeiros artistas não nasceram para ter honrarias: o seu génio tem de estar acima dessas ninharias, pois um artista em terra de cegos não deve ser um rei, mas um profeta com a imensa responsabilidade de iluminar a nossa insignificância de vermes, inspirando-nos a tecer um casulo de emoções verdadeiras: o único santuário onde o homem pode cumprir a sua metamorfose desde o caos animal ao cosmos divino.

João de Lagoa

UM GRAVADOR PORTUGUÊS EM HAMBURGO



Na torrente diária de conferências e debates, exposições e colóquios que animam a vida cultural da grande cidade hanseática, um acontecimento que não pode ignorar-se: o pintor português Manuel Gamboa expõe numa galeria de Hamburgo (Café Latin) as suas criações mais recentes, uma série de mais de trinta linóleos a cores, entre os quais se destaca um tríptico de dimensões excepcionais nesta técnica (1,28m de altura e mais de 3m de comprimento total).

Não é muito frequente depararmos em cidades alemães com exposições de artistas portugueses (esperemos que o acordo cultural recentemente firmado entre os dois países venha melhorar a situação, neste e noutros campos). E o encontrar-se um nome português é uma vergastada salutar no espírito de quem embora afastado do país, procura não perder o contacto com as mais importantes manifestações espirituais portuguesas (o que nem sempre acontece, porque nem sempre é fácil). Recordo com admiração e o entusiasmo que senti quando, no Verão de 1964, deparei com uma exposição de gravuras de Bartolomeu Cid numa escola de uma pequena cidade da região do Ruhr (Marl). Como Bartolomeu Cid ali foi parar, não sei. Sei que ele lá estava, e é o que importa. Mas não nos iludamos, porque satisfações destas são raras. O panorama cultural português é mal ou falsamente conhecido na Alemanha. E quando algo aparece, é mal compreendido, toma-se a parte pelo todo, aventuram-se juízos de conjunto a partir de manifestações isoladas e de modo algum representativas (lembre-se o caso recente de um crítico do jornal “Die Welt” que, partir da tradução alemã da “Vindima” de Torga, fazia toda uma série de considerações gerais – e falsas …sobre a literatura portuguesa actual). Um campo em que o conhecimento de Portugal se vem generalizando mais é o turismo, graças a uma propaganda orientada pelas entidades responsáveis e interessadas. Aqui – no campo cultural – como ali – no do turismo – é preciso fazer “propaganda” – por meios diferentes, utilizando canais de divulgação diversos, como é evidente, mas, de qualquer modo, fazendo essa divulgação necessária. Muitas vezes é feita mais pela parte alemã do que pela portuguesa.

É, pois, de assinalar mais esta centelha portuguesa em terras germânicas, que é a actual exposição de Gamboa. Manuel Gamboa vive em Hamburgo há cerca de cinco anos. Esta afirmação directa, estilo relatório, encerra um significado mais profundo do que aquele que deixa entrever à primeira vista. Não é fácil para um pintor livre e estrangeiro “viver” (e portanto pintar...e vender) em Hamburgo. Para o compreendermos teremos de conhecer o público e o meio hamburgueses, fechados em si, uma aristocracia comercializada e uma massa mecanizada e materialista que, se por acaso compra quadros, o faz com a intenção de que esse quadro vá contribuir para a Gemutlichkeit (palavra difícil ou impossível de traduzir que contém algo de conforto burguês, arranjo e ordem convencionais...) da sua casa. E isto nem sempre o verdadeiro artista lhe pode oferecer (e Gamboa não vai, certamente, ao encontro desses desejos). Há, depois, as élites, que criticam, apreciam, discutem – mas não compram. Há ainda toda a série de dificuldades e obstáculos que o artista estrangeiro, só numa cidade como esta, encontra para expor os seus trabalhos e se tornar conhecido. “É mais fácil um pintor tornar-se conhecido em Portugal num ano, do que em Hamburgo em dez”, diz-me Gamboa na última visita que lhe fiz e durante a qual, num bate-papo de cinco horas, ele me leu algumas páginas soltas de um possível livro de memórias – por enquanto manuscrito de gaveta – em que transparece a imagem que de Hamburgo ele se faz. Imagens de ruas, de pessoas cinzentas e monótonas, asfixiantes ou libertadoras, por entre as quais o pintor passeia, guiado pela mão leve, imaterial, da sua intuição artística – do seu “arlequim de duas máscaras”, como ele próprio lhe chama numa das passagens dessas páginas manuscritas. Nestes escritos, como nos quadros, transparece uma dualidade sempre presente em Gamboa: um passado morto-vivo e um presente espiolhado e vivido intensamente, o Mediterrâneo e o Norte da Europa, a criança naïve e o adulto experimentado, a poesia do deleite e a poesia da violência. E, como elo de ligação, um profundo conteúdo humano e uma acentuada força de expressão, que estão na base de toda a sua actividade artística.

A presente exposição de Gamboa é a segunda que realiza em Hamburgo (a primeira, em que apresentou óleos, teve lugar no Verão de 1964), e é o resultado de estudos pessoais recentes sobre os problemas e a técnica da gravura, que se materializaram na colecção de linóleos a cores, patentes nesta mostra.

Não era fácil – nem acertado – procurar filiar estas últimas criações de Gamboa neste ou naquele pintor ou movimento modernos. Já um 1959, criticando em “Colóquio” o 1º Salão de Arte Moderna da S. N. B. A, José-Augusto França se referia a Gamboa nos seguintes termos: “Brutamente colorista...e com uma intuição admirável, ignorando culturas...” (o sublinhado é meu). Podem, no entanto, notar-se nestes linóleos traços evidentes de um convívio com os expressionistas alemães. Há mesmo duas gravuras que o autor associou directamente a nomes de pintores alemães: A Macke e Max Beckmann (também no mesmo artigo de 1959, José-Augusto França escreve ainda que “Gamboa reencontra uma exuberância e uma violência expressionista que fora de Amadeo de Sousa-Cardozo”).

Para além, e acima de quaisquer influências há, porém nestes linóleos a expressão de uma experiência e de uma técnica pessoalíssimas. Transparece neles essa síntese (ou, como disse um crítico alemão na abertura da exposição, a concretização de uma Wahlverwandtschaft, ou “afinidade electiva”) de dois mundos diferentes que foram assimilados no espírito do artista e plasmados em mancha de cores e vazios: o mundo do Sul e o mundo do Norte, o Algarve e Hamburgo, o passado ainda e sempre espicaçante e vivências actuais intensamente experienciadas e detalhadamente captadas e transmitidas numa expressão abstracta de harmonias de cores, de esquemas formais, de signos, números e nomes, que preenchem o espaço num bailado desordenado, mas em que é possível descobrir, para cada gravura, uma orientação dos motivos pictóricos segundo certas linhas fundamentais, e para o todo uma unidade formal.

Por vezes irradiando, explodindo a partir de um núcleo central, outras vezes pairando dispersos por todo o espaço, as manchas e traços brancos, não impressos, sobrepõem-se por vezes – quase sempre – pela sua importância na economia da gravura, às zonas impressas a cores. Tomam por vezes a forma de letras, signos ou palavras inteiras. Essas manchas e traços são de importância fundamental para a compreensão do “movimento” da superfície do quadro e traduzem, quando transplantados para o campo do “letrismo”, quer uma intencionalidade de raiz emocional, quer uma contribuição de carácter decorativo ou um apoio expressivo para a linguagem das cores que, apesar da evolução efectuada com estes linóleos, continua a ter papel de relevo na obra de Gamboa. Servindo-se de uma linguagem formal puramente abstracta (à excepção do grande tríptico), este linóleos de Gamboa não se desumanizam nem se esterilizam, antes vive neles uma fecunda animação de motivos simbólicos que lhes conferem um carácter vital e espontâneo. José-Augusto França pisou talvez uma tecla acertada ao dizer que Manuel Gamboa “ignora culturas”. Uma outra tecla que me parece também acertada e cuja nota se eleva, na sua intensidade, acima das outras, foi aquela em que, aquando da primeira exposição de Gamboa em Hamburgo, tocou o crítico de artes plásticas do jornal “Die Welt”, Hans Teodor Fleming, ao afirmar: “Sente-se que este artista é um temperamento de pintor, impulsionado por uma autêntica necessidade de pintar”. Aos dez anos pintava Gamboa no Algarve, sob o incitamento de um esquecido Ti Inácio, o seu primeiro quadro! (Um retrato de camponês, hoje na posse do Arquitecto Keil do Amaral). Hoje vive, independente, na sua revolta num espaço norte – europeu, que não é o seu, contra o qual ele reage, mas cuja essência não deixa de captar, para a transportar para estas suas últimas gravuras.


João F. S. Barrento, in Jornal de Letras e Artes, nº 244, 15/6/66, Lisboa

MANUEL GAMBOA





Manuel Gamboa pertence à geração de pintores neo-realistas que teve de abandonar Portugal para continuar a sua obra.

Nascido em Lagoa (Algarve), em 1925, depois de uma individual na Galeria DN, em 1958, decidiu partir, dois anos mais tarde, para Paris, onde não ficou muito tempo. Escolheu Hamburgo (Alemanha) e, decorridos que foram 30 anos, voltou ao seu país natal, não para ficar, mas para se dividir entre estas duas terras.

É, de facto, na Alemanha que a sua pintura tem bastante significado. Os seus temas, apesar de temperados por uma certa disciplina germânica, mostram que se mantêm fiéis a uma determinada linha de pensamento. A mesma com que o pintor saiu de Portugal.

Na representação do ser humano as suas obras inspiram-se na expressão do corpo e do rosto, quase sempre humilhados, submissos e silenciosos, mesmo quando enquadrados em temas festivos. As suas personagens testemunham o sofrimento moral, voltadas para o vazio ou para uma realidade insondável, como o sentimento de uma perdição. Mais próximas do Além do que da morte, elas movimentam-se num circo fora do tempo.

Feitos de vida interior, estes seres reflectem-se no olhar; os olhos são dois poços rasgados pelo pincel, que nos seguem continuamente, nos criticam, ou ainda nos gozam sem piedade. Desfiguradas pela própria angústia, estas imagens frágeis parecem dotadas de fibras emocionais: símbolo de uma convicção pessoal? Quem sabe? Esperam algo, talvez uma força superior, positiva e construtiva que não chegará com facilidade.

No entanto, esta pintura selvagem não deixa de ter, contraditoriamente, uma tónica expressiva de alegria de viver. Gamboa diverte-se a criar os seus filhos e a dar-lhes os brinquedos mais díspares possíveis (aqueles a que provavelmente o pintor nunca teve acesso). Brinquedos e filhos passam por nós rindo e fazendo caretas porque estamos do lado de cá, vivos, cansados e desanimados.

As tonalidades sempre vivas, com grafismos pretos para delinear e animar, invadem os espaços, já bem preenchidos de uma multidão de cores em movimento, para formularem vibrações explosivas de Paraíso Perdido convertido em pintura que faz a festa. Também há muita eficácia, talento e audácia nas composições.

Reconhecíveis que são as figuras neste enquadramento de cores, elas inserem-se numa composição abstracta onde o espaço, suspenso entre a plenitude e o nada, se integra numa só cor, dada no princípio. Assim Gamboa põe em cena a ambivalência de uma visão intuitiva; os parâmetros obscuros da mente ou o enigma de uma substância. O conteúdo acorda a consciência de uma vida interior, fazendo ressurgir o índice de uma memória colectiva.

Poder-se-á dizer, neste caso, que se trata de um modo de conhecimento, como uma forma de conjuração dos fantasmas do artista, e ainda, como o meio de conseguir um equilíbrio pessoal, muito peculiar.

Ávido de obter qualidades emocionais. Gamboa realça os paradoxos do efeito visual: numa desenvoltura contraditória, a linha apaga o que seria de esperar que privilegiasse ou evocasse, revelando os meandros do instinto criador, é nesse momento, ao mesmo tempo lúcido e ambíguo, que o pintor encontra o centro da estabilidade.

As linhas afloram a untuosidade da matéria e realçam o sentido de ascensão ou movimento fugidio. Gamboa parece desafiar as leis do visível, criando sensações, sinais ou ainda imagens inéditas.

Dotado de uma análise figurativa, e de uma observação do real, a sua tentativa (sondagem) deixa transparecer a expressão de uma necessidade interior; cada elemento refere-se a uma existência autónoma, independentemente do contexto que a rodeia. Nem mensagem, nem anedota...mas desejo de afirmar, pela e na pintura, a existência de uma visão fictícia.


DN – 13.1.91


Por: Margarida Botelho, in “80 Artistas em Portugal”

MANUEL GAMBOA NAS PALAVRAS DUM POETA AMIGO



Foi nos anos 50 que conheci Manuel Gamboa em Lisboa. Nessa época a vida cultural e artística era intensa, com tertúlias assíduas nos cafés, jornais com suplementos regulares de artes e letras, revistas literárias diversas, grupos de teatro e cineclubes que desenvolviam uma actividade cultural importante, não obstante as limitações impostas pelo antigo regime. Estas associações e tertúlias eram verdadeiras universidades abertas, onde todos aprendiam tudo uns dos outros, nelas se tendo formado toda uma geração de poetas, romancistas, ensaístas, críticos, pintores e cineastas que viria posteriormente a afirmar-se. E havia uma sede enorme de cultura, muita luta e sonho, entusiasmo e ideais.

Foi nessa altura que conheci Manuel Gamboa e que a nossa amizade se formou, conservando-se ao longo de todos estes anos, não obstante tantas e tantas mudanças que o mundo sofreu à nossa volta desde então.

Encontrei desde sempre nele uma grande determinação pela pintura, força e vontade de seguir em frente na concretização do seu projecto de vida, apesar de todas as dificuldades semeadas pelo seu caminho.

Muitas vezes subi as escadas da água furtada onde vivia no Bairro Alto para ver os seus trabalhos. Outras vezes ficava a vê-lo pintar, a espalhar as linhas e as cores na tela, assistindo ao nascimento dos temas expressos com a sinceridade da sua personalidade vigorosa e apaixonada pela vida. Uma pintura aplicada na sua expressão, ao mesmo tempo misteriosa e rigorosa, alimentada por uma imaginação que procura captar os seres e as coisas e revelar-nos, pela síntese de tudo o que as linhas e a composição cromática podem exprimir, o reflexo da alma humana e o dramático e surpreendente sentimento de viver, a busca apaixonada do seu sentido poético.

Os traços corridos e o prazer da cor reflectiam o seu individualismo, mas também o seu sonho de abarcar todo um universo que só a imaginação pode alcançar, paisagens que nunca vimos, pessoas que nunca existiram, a luz perdida na desordem ou na harmonia, a fulgurância evidente do silêncio de um mineral, as ruas de uma cidade virtual, a síntese das pessoas em um só ser, enfim, a expressão dos sentimentos mais perplexos da observação da natureza e que ela pode inspirar.

O seu sonho universalista e o desejo de viver num mundo que sempre acalentara e o solicitava levaram-nos a deixar o País em 1960, na busca do enriquecimento da sua experiência humana e artística.

E assim foi até Paris, mas o desencanto proporcionado pelos círculos da emigração que aí conheceu e pela pintura cosmopolita incaracterística que aí viu acabou por o desencorajar. E decidiu ir mais longe, até Hamburgo, de que ouvira falar como uma cidade enorme, dinâmica, cheia de oportunidades e, também, com um rio.

Acompanhei esta sua fase difícil de adaptação e integração, através da correspondência que trocávamos. Foi uma luta de sobrevivência e renascimento para uma nova vida, que acabaria por o recompensar com o reconhecimento do seu talento.

Depois da minha ida para Paris em 1964, encontrámo-nos por diversas vezes, o que me deu oportunidade de continuar a seguir a sua carreira e de conhecer diversos trabalhos seus. E tive assim o grato prazer de me congratular com as manifestações de apreço e louvor que lhe eram testemunhadas pela qualidade e originalidade da sua obra. Obra que alia a capacidade inventiva do iberismo com a assimilação da força e disciplina germânica, mas que se manteve sempre fiel e inspirada nos temas memorizados na sua raiz portuguesa, figuras e rostos silenciosos que nos fixam sem conseguirmos ver-lhes os olhos, bem como todo o carnaval da nossa vida.

Não são muitos os artistas entre nós que, como Manuel Gamboa, conseguem criar uma obra tão extensa, meritória e original, tudo alcançando a partir do quase nada, apenas pelo seu génio, trabalho e perseverança. Por isso ele nasceu, não para nos deixar, mas para ficar para sempre entre nós.


Fernando Ilharco Morgado, in catálogo da Exposição – Retrospectiva de Manuel Gamboa, Conv. S. José, 1995

UM CÂNTICO À VIDA



...ele havia de pintar um cântico à vida! Gamboa, Manuel Gamboa, o pintor, o artista plástico e o homem, têm vivido sempre juntos. Vêm de longe, do tempo em que a vivência (grupal e boémia) e os actos exibitórios dos artistas portugueses reflectiam – e davam-lhe interpretação plástica – o vigor contestatário dos intelectuais, traduzido em expressões visuais do afrontamento e do combate, contra o racionamento cultural, imposto à sua pátria pelo regime pré-histórico de Salazar.
Conheci-o (pela mão de Artur Bual), nesse ano distante de 1959, na ocasião em que a polícia política lhe interrompera – nunca se saberá porquê (?) – uma das suas primeiras mostras individuais de desenho e pintura . O nosso efémero relacionamento estreitar-se-ia, e uma grande empatia acabou ficando, intacta e difusa, suspensa, no ar, reminiscente da convivialidade néon-realista do Café Gelo e omniversal da Brasileira do Chiado, para onde convergiam as mais peregrinas figuras da cultura lisboeta da nossa contemporaneidade.
Entre o Gamboa de hoje e o de então, são escassas (conquanto perceptíveis) as diferenças, quer na postura, perante a Arte, quer, de atitude, perante a Vida, como se a eternidade lhe estivesse mentalmente diluída, no âmago do ser.
Numa época em que as cores delirantes eram, geralmente, tímidas, na pintura vulgarmente exposta, já os seus quadros se distinguiam berrando alto, na ginástica contorcionista, algo caricatural e primeva das suas formas, subjugadas à estrutura livre de um desenho muito fluido e, paradoxalmente, firme, na sua caligrafia.
Então – bem menos que hoje – Gamboa sentia-se estrangeiro, amordaçado, cheio de uma tremenda vontade de atravessar fronteiras e respirar o sonho libertário do anarco-surrealismo, dominante nos grupos que, em Lisboa, integrava , na luta contra as políticas de caixinha, as cliques e capelas (os mini-lobbies dessa altura).
Por isso se passou para Marrocos, saltaria para Paris e acabou, retido por amor, durante décadas, em Hamburgo , onde fez carreira, antes de regressar e se fixar, no reduto algarvio de Vale d’el Rei (perto de Ferragudo, sua terra natal), em Lagoa.……………………………………………………………………
As obras que, hoje e aqui, são exibidas – na Galeria que tem por patrono o seu dilecto amigo Artur Bual – evidenciam-no como um dos casos mais verdadeiramente atípicos da pintura portuguesa mais notável, em meio século, pela sua originalidade autêntica, pela genuinidade elementar do seu processuário técnico, na sintaxe da sua linguagem, na semântica da sua expressão comunical.
Não se tratará, senão, afinal, de páginas únicas de uma biografia autografada, edificadas sobre tela, em composições de grande simplicidade. Só isso – por força da sua natureza – o impõe à notabilidade.
Cada uma dessas páginas é um livro compactado, elaborado a partir de marcas residuais profundas, onde se projectam, com singular candura poética, a vestigialidade memorial recorrente da sociedade e dos universos contemporâneos, convertida na perene simbologia de pictogramas poéticos. E eles surgem organizados como imagens-fetiche, estruturados sob o rigor da mais depurada inspiração, porventura tão primitiva como a da arte totémica , associada à exactidão da escrita hieroglífica, conjugada a caracteres alfanuméricos árabes e sino-nipónicos, latinos e cirílicos, onde se radicam mensagens compactadas da sua jovialidade, do seu tendencialismo erótico-sensual e desse raro sentido epicúreo, que nunca o abandonará. ...ele havia de pintar um cântico à Vida!


José-Luis Ferreira - Lagoa, Março, 2005