domingo, 17 de fevereiro de 2008

MANUEL GAMBOA: uma pintura dramática de Amor pela Vida



Manuel Gamboa é um artista que, como tantos portugueses, foi praticamente ignorado, no seu País natal, de onde saiu como manifesto de insatisfação perante uma conjuntura político – cultural medíocre e demasiado exígua para as ambições ilimitadas de um homem com a sua grandeza interior.

É ele que, ao retornar a Portugal, se nos revela, sem ressentimento ou soberba, e privilegia com uma pintura crescida e amadurecida numa outra terra mais ampla, perante olhos que viram mais longe. Porém, é uma pintura sem nacionalidade porque o é sem fronteiras, sem limites patrióticos, apenas com a identidade artística e toda a infinita liberdade que o universo da Arte proporciona. Ainda assim, conserva elementos e memórias de cores e luzes que podem remontar à realidade física das origens do pintor que parece saudosamente eternizá-los na tela.

Foi nessa longa permanência no estrangeiro, em Paris e especialmente em Hamburgo, que o pintor sofreu influências de várias escolas e correntes estéticas que viriam a marcar toda a sua Obra, com destaque para o neorealismo, a pop art, o expressionismo quer francês (de Soutine), quer alemão, o cubismo e o abstraccionismo.

Na galeria Santiago, Manuel Gamboa expõe agora as suas últimas telas, plenas de vigor, onde as três últimas correntes se mantêm vivas, acrescidas de características muito pessoais, como a segurança do desenho que marca contornos, definindo a mancha, o cromatismo vibrante que explora toda a potencialidade do pigmento puro, e a luz que modela os volumes, dotando-os de valores de tridimensionalidade quase escultórica que acentuam a diferença entre a figura e fundo.

Se a paleta escolhida se caracteriza essencialmente por cores alegres, todavia, não é possível dizer que as pinturas o sejam. Parece, pelo contrário, existir uma antítese entre o fulgor cromático e uma certa tristeza que se destaca essencialmente na figura humana e que é acentuada pela dimensão monumental que o artista lhe confere.

Com efeito a conjugação das duas assume valores de inquietação e dramatismo que se enfatizam com o empasto da matéria pictórica, um labirinto de pinceladas que criam valores de claro – escuro, gerador, por seu turno, de acidentes visuais que adensam a linguagem e obrigam a uma leitura mais atenta de cada pormenor.

Também o pormenor é, em si, uma característica da pintura de Manuel Gamboa. Cada elemento, cada gesto, cada rosto, são dotados de essencial dimensão simbólica: um pássaro, uma flor, um olhar rasgado ou fechado (quase sempre de frente, lembrando a arte egípcia e o cubismo) um abraço, uma desmultiplicação de cabeças...sempre estrategicamente colocados no ponto de confluência do olhar do espectador e sempre nas encruzilhadas de composições centralizadas. Porém, este simbolismo, mais do que uma influência, é uma expressão muito individual, sem dimensão intelectual (que o artista recusou em Paris) ou linguagem universal. É a codificação de emoções, numa espécie de dialecto pessoal, desenvolvido no contacto com a Natureza e o Homem. É uma expressão de Amor pela Vida.

CÁTIA MOURÃO, Historiadora de Arte e Pintora
Prefácio do Catálogo da Exposição Comemorativa do III Aniversário
Da Galeria Santiago, Palmela, em 2000/1

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